"O Mundo é Minha Paróquia" (John Wesley)


OS SINAIS QUE DISTINGUEM VERDADEIRAS EMOÇÕES ESPIRITUAIS - Parte 4

18/07/2012 13:32

Continuação:

13. O fruto das verdadeiras emoções espirituais é a prática cristã

A prática cristã significa três coisas:

 (i) O verdadeiro cristão dirige todos os aspectos de seu comportamento por regras cristãs.

(ii) Faz do viver santo a maior preocupação de sua vida. É seu trabalho e ocupação sobre todas as outras coisas.

(iii) Persevera nessa ocupação constantemente, até o final de sua vida.

Vamos estabelecer esses três pontos pelas Escrituras.

(i) O verdadeiro cristão procura conformar cada área de sua vida às regras da Palavra de Deus. "Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando" (Jo. 15:14). "E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro ... Filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo" (I Jo. 3:3,7). "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus" (I Cor. 6:9-10). "Ora, as obras da carne são conhecidas, e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, como já outrora vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam" (Gal. 5:19-21).

Esse comprometimento com a obediência total não significa uma mera esquivança negativa das práticas do mal. Significa também obedecer positivamente os mandamentos de Deus. Não podemos dizer que alguém é um verdadeiro cristão somente por não ser um ladrão, mentiroso, blasfemador, bêbado, sexualmente imoral, arrogante, cruel e violento. Também deve ser positivamente temente a Deus, humilde, respeitoso, gentil, pacificador, perdoador, misericordioso e amorável. Sem essas qualidades positivas, não está obedecendo às leis de Cristo.

(ii) O verdadeiro cristão faz do viver santo a principal ocupação de sua vida. O povo de Cristo não só faz boas obras, são zelosos por boas obras (Tito 2:14). Deus não nos chamou para a ociosidade, e sim para trabalhar e labutar para Ele. Todos os verdadeiros cristãos são bons e fiéis soldados de Jesus Cristo (II Tim. 2:3). Lutam o bom combate da fé de modo a apossar-se da vida eterna (I Tim. 6:12). Os que estão numa corrida, todos correm, mas somente um recebe o prêmio; pessoas preguiçosas e negligentes não correm de modo a obter aquele prêmio (I Cor. 9:24). O verdadeiro cristão coloca toda a armadura de Deus, sem a qual não resiste aos dardos inflamados do maligno (Ef. 6:13-17). Esquece as coisas que estão para traz e procura pelas que estão adiante, avançando para a meta, visto ser este o único modo de obter o prêmio do chamado de Deus para o alto, em Cristo Jesus (Fil. 3:13-14). Preguiça em servir a Deus é tão condenável quanto rebelião aberta; o servo preguiçoso é um mau servo e será lançado nas trevas exteriores com os inimigos declarados de Deus (Mat. 25:26, 30).

Isso mostra que um verdadeiro cristão é alguém diligente, fervoroso e comprometido em sua religião. Como é colocado em Hebreus: "Desejamos, porém, continue cada um de nós mostrando até ao fim a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas" (Heb. 6:11-12).

(iii) O verdadeiro cristão persevera em sua obediência a Deus através de todas as dificuldades enfrentadas, até ao fim de sua vida. As Escrituras ensinam de modo completo que a verdadeira fé persevera; vejam, por exemplo, a parábola do semeador (Mat. 13:3-9, 18-23).

O ponto central enfatizado pelas Escrituras na doutrina da perseverança é que o verdadeiro cristão mantém-se acreditando e obedecendo, a despeito dos vários problemas que encontra. Deus permite que esses problemas surjam nas vidas das pessoas que se proclamam cristãos a fim de testar a verdade de sua fé. Então torna--se claro para eles, e muitas vezes para os outros, se realmente estão levando a sério seu relacionamento com Cristo. Esses problemas são às vezes de ordem espiritual, como uma tentação particularmente sedutora. Às vezes as dificuldades são de ordem externa, como os insultos, zombaria e perda de posses a que nosso cristianismo possa nos expor. O sinal do verdadeiro cristão é que ele persevera através desses problemas e dificuldades, mantendo-se leal a Cristo.

Eis alguns textos que relatam o exposto. "Pois tu, ó Deus, nos provaste; acrisolaste-nos como se acrisola a prata. Tu nos deixaste cair na armadilha; oprimiste as nossas costas; fizeste que os homens cavalgassem sobre as nossas cabeças; passamos pelo fogo e pela água, porém, afinal, nos trouxeste para um lugar espaçoso" (Sal. 66:10-12). "Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança a provação; porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que os amam" (Tg. 1:12). "Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida" (Apoc. 2:10).

Admito que os verdadeiros cristãos podem se tornar espiritualmente frios, cair em tentação e cometer grandes pecados. Entretanto, nunca podem cair tão totalmente que se cansem de Deus e da obediência, e assentar-se num desagrado deliberado pelo cristianismo. Nunca podem adotar um modo de vida no qual outra coisa se jamais importante que Deus. Nunca podem perder inteiramente sua distinção do mundo incrédulo, ou reverter exatamente ao que eram antes de sua conversão. Se esse é o resultado dos problemas num cristão professo, fica demonstrado que nunca foi um verdadeiro convertido! "Eles saíram de nosso meio, entretanto não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos" (I Jo. 2:19).

As verdadeiras emoções espirituais, então, resultam sempre na prática cristã. Por quê? Posso responder a isso lembrando-lhes do que já foi exposto sobre a natureza das emoções espirituais:

(i) As verdadeiras emoções espirituais resultam na prática cristã porque emergem de influências espirituais, sobrenaturais e divinas no coração. Não é de admirar que as emoções espirituais tenham tanta influência prática, quando têm a onipotência do lado delas! Se Deus habita no coração, Ele mostrará que é Deus pelo poder que Ele exerce. Cristo não está no coração do cristão como um salvador morto num túmulo, e sim como um Salvador ressurreto e vivo em Seu templo. As emoções espirituais podem ser menos barulhentas e pomposas que outras, todavia têm em si essa vida e poder secretos que conquistam o coração, fazendo-o cativo à vontade de Deus.

(ii) As emoções espirituais resultam na prática cristã porque seu propósito é a beleza das coisas espirituais, não o nosso interesse próprio. As pessoas têm um cristianismo defeituoso porque estão procurando seu próprio interesse nele, não o interesse de Deus. Assim, aceitam o cristianismo somente até o ponto em que pensam servir a seus interesses. Em contraste, uma pessoa que aceite o cristianismo por sua própria natureza excelente e bela, aceita a tudo que tenha essa natureza. Abraça o cristianismo por amor a ele mesmo, e assim abraça à totalidade do cristianismo. Essa é a razão de o verdadeiro cristão praticar sua fé com perseverança. Os interesses particulares de uma pessoa podem chocar-se com o cristianismo depois de algum tempo. Assim, alguém que aceite o cristianismo por motivos egoísticos está sujeito a abandoná-lo por motivos egoísticos. Interesses particulares mudam, porém a beleza espiritual do cristianismo nunca muda. É estável e sempre a mesma.

(iii) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque são fundamentais na excelência moral das coisas divinas. Não é de admirar que um amor pela santidade em si mesma inspire alguém a praticar santidade! Preciso dizer mais?

(iv) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque surgem do entendimento espiritual. Lembrem-se, entendimento espiritual é um sentimento do coração pelo qual uma pessoa vê a suprema beleza das coisas divinas. Quando vemos a suprema beleza e glória de Cristo, vemos que Ele é digno de nossa adoração, nossa obediência, nossas próprias vidas. Isso nos faz segui-10, a despeito de todas as dificuldades. Não podemos esquecê-10 ou trocá-10 por outra coisa. Ele nos impressionou muito profundamente!

(v) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque trazem uma convicção da realidade das coisas divinas. Se alguém nunca esteve completamente convencido de haver veracidade no cristianismo, não é de admirar que não se incomode em praticá-lo de modo diligente e sério! Não é de admirar que não se comprometa a uma obediência perseverante ao que pode se mostrar irreal! Por outro lado, se alguém tem plena convicção da verdade das coisas divinas, essas coisas influenciarão sua prática mais que qualquer outra coisa. Por quê? Por causa de sua infinita importância e significado. Não podemos crer completa e sinceramente em coisas tão sublimes sem estar sob sua influência controladora.

(vi) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque sempre coexistem com a humilhação espiritual. Humildade perante Deus inspira obediência, assim como orgulho inspira rebelião. Humildade, então, necessariamente leva à prática cristã.

(vii) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque sempre coexistem com uma mudança de natureza. Os homens não mudarão completamente suas práticas exceto se tiverem uma mudança de natureza. Até que a árvore seja boa, o fruto não será bom. Se uma pessoa não convertida tentar viver uma vida cristã, estará agindo contra sua natureza pecaminosa. É como jogar uma pedra para cima. A natureza finalmente prevalece e a pedra cai novamente. Contudo, se recebemos uma nova natureza celestial em Cristo, é natural que andemos em novidade de vida e continuemos a fazê-lo até o fim de nossos dias.

(viii) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque promovem um espírito cristocêntrico. Todas as qualidades que mencionei nesse título - amor, humildade, paz, perdão, compaixão -completam a segunda tábua dos mandamentos de Deus (os últimos seis mandamentos). De forma geral, é disso que trata a prática cristã!

(ix) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque abrandam o coração e existem juntamente com a mansidão cristã de espírito. O coração abrandado e a longanimidade de espírito do verdadeiro cristão fazem-no extremamente sensível ao pecado. É óbvio que isso exerce uma profunda influência do modo como ele conduz a sua vida.

(x) Emoções espirituais resultam na prática cristã por causa da sua simetria e equilíbrio belíssimos. A simetria e equilíbrio das emoções espirituais produzirão uma obediência correspondente. O cristão não obedecerá a alguns dos mandamentos de Deus, ignorando outros. Ele está determinado a ser santo em todas as áreas de sua vida, em todas as circunstâncias, em todos os tempos.

(xi) Emoções espirituais resultam na prática cristã porque produzem um desejo por santidade mais profunda. Se o leitor voltar ao capítulo anterior (11), verá que obviamente esse tem que ser o caso. Um desejo por santidade mais profunda não resulta na falta de prática cristã!

A partir de tudo isso, fica claro que a prática cristã é um fator distinguidor da verdadeira conversão. Direi mais. A prática cristã é a mais importante de todas as marcas e sinais de conversão, tanto para o próprio crente como para os outros.

Vou dedicar os próximos dois capítulos a isso, de modo que possamos ter uma compreensão correta sobre essas coisas.

 

14. A prática cristã é, para os outros, o principal sinal da sinceridade de um convertido

A prática cristã é o principal sinal pelo qual podemos julgar a sinceridade de cristãos professos. As Escrituras são muito claras sobre isso. "Pelo seus frutos os conhecereis" (Mat 7:16), "Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore" (Mat. 12:33). Em nenhum lugar Cristo diz: "Conhecereis a árvore por suas folhas e flores. Conhecereis os homens pelo que dizem, pelas histórias que contam de suas experiências, por suas lágrimas e expressões emocionais". Não! "Pelos seus frutos os conhecereis. Pelo fruto se conhece a árvore."

Cristo nos aconselha que procuremos pelos frutos da prática cristã nos outros. Também nos exorta que devemos mostrar esse fruto aos outros em nossas próprias vidas. "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mat. 5:16). Cristo não diz: "Assim brilhe também a vossa luz, exprimindo aos outros seus sentimentos e experiências." É quando os outros vêem nossas boas obras que glorificarão nosso Pai que está nos céus.

O restante do Novo Testamento diz o mesmo. Por exemplo, em Hebreus lemos sobre aqueles que foram iluminados, provaram o dom celestial e assim por diante, e caíram (Heb. 6:4-8). Então, no versículo 9 diz: "Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação." Por que o escritor de Hebreus estava tão confiante que a fé deles era verdadeira e que eles não cairiam? Por causa de sua prática cristã. Vejam o versículo 10: "Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos."

Encontramos o mesmo ensinamento em Tiago. "Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras?" (Tg. 2:14). Tiago está nos dizendo que não adianta dizer que temos fé, se não mostrarmos nossa fé pelas boas obras. Tudo o que dizemos será inútil, se não for confirmado pelo que fazemos. Testemunhos pessoais, histórias sobre nossos sentimentos e experiências - tudo inútil sem boas obras e prática cristã.

De fato, isto é bom senso. Todos sabemos que "ações falam mais alto que palavras." Isso se aplica tanto ao domínio espiritual quanto ao natural. Imagine duas pessoas, uma parece andar humildemente perante Deus e os homens, viver uma vida que fala de um coração penitente e contrito; é submissa a Deus na aflição, mansa e gentil para com os outros homens. A outra fala sobre quão humilde é, como se sente condenada pelo pecado, como se prostra no pó perante Deus, etc; não obstante, se comporta como se fosse o cabeça de todos os cristãos da cidade! É mandona, importante perante ela mesma e não suporta crítica. Qual dessas duas dá a melhor demonstração de ser uma verdadeira cristã? Não é falando às pessoas sobre nós mesmos que demonstramos nosso cristianismo. Palavras custam pouco. É pela dispendiosa e desinteressada prática cristã que mostramos a autenticidade de nossa fé.

Estou supondo, é claro, que essa prática cristã existe numa pessoa que diz acreditar na fé cristã, pois o que estamos testando é a sinceridade daqueles que se dizem cristãos. Uma pessoa não pode proclamar-se cristã sem reivindicar certas coisas. Não iríamos - e não deveríamos - aceitar como cristão alguém que negue as doutrinas cristãs essenciais, não importa quão bom e santo ele pareça. Junto com a prática cristã, deve haver uma aceitação das verdades básicas do evangelho. Essas incluem crer que Jesus é o Messias, que morreu para satisfazer a justiça de Deus contra nossos pecados, e outras doutrinas dessa ordem. A prática cristã é a melhor prova da sinceridade e salvação daqueles que dizem acreditar nessas verdades, mas não prova coisa alguma sobre a salvação daqueles que as negam!

Eu só acrescentaria o que já disse antes (Parte dois, capítulo 12), que nenhuma aparência exterior é sinal infalível de conversão. A prática cristã é a melhor evidência que temos de que um cristão professo é um cristão verdadeiro. Leva-nos a acreditar em sua sinceridade e aceitá-lo como irmão em Cristo. Mesmo assim, não é prova cem por cento infalível. Para começar, não podemos ver todo o comportamento manifestado de uma pessoa; muito dele está escondido do mundo. Não podemos ver dentro do coração da pessoa para ver seus motivos. Não podemos estar certos até que ponto pode ir uma pessoa não convertida na aparência exterior de cristianismo. Contudo, se pudéssemos ver toda a prática que a consciência da própria pessoa conhece, poderia então ser um sinal infalível de sua condição de pessoa salva. A verdade sobre isso aparecerá no capítulo seguinte.

 

15. A prática cristã é sinal certo de conversão para a consciência da própria pessoa

Isso está claro em I Jo. 2:3: "sabemos que o temos conhecido por isso: se guardamos os seus mandamentos." João diz que podemos ter certeza de salvação se nossas consciências testemunharem sobre nossas obras: "Filhinhos, não amenos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade. E nisto conheceremos que somos da verdade, bem como, perante ele, tranqüilizaremos o nosso coração" (I Jo. 3:18-19). O apóstolo Paulo diz aos gálatas que examinem seu próprio comportamento, de modo que possam se alegrar em sua salvação: "prove cada um o seu labor, e então terá motivo de gloriar-se unicamente em si, e não em outro" (Gal. 6:4). Quando Cristo diz: "pelos seus frutos os conhecereis" (Mat. 7:20), é em primeiro lugar uma regra para julgar os outros; mas Ele também quer que julguemos a nós mesmos por essa regra, como o próximo versículo mostra claramente: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mat. 7:21).

O que quer dizer a Bíblia, exatamente, com "guardar os mandamentos de Cristo", "fazer a vontade do Pai", e assim por diante

- o que temos chamado de prática cristã - quando faz disso a base da
segurança?

A prática cristã certamente não se refere unicamente a ações fí­sicas exteriores. Obediência é um ato do homem como um todo, alma e corpo. De fato, obediência é real e propriamente um ato da alma, uma vez que a alma governa o corpo. Assim, a prática cristã se refere mais à obediência interior da alma do que às ações externas do corpo.

A alma cristã pode agir de dois modos:

(i) A alma pode agir de modo puramente interior, que não resulta em ações físicas exteriores. Quando meditamos simplesmente sobre a verdade de Deus, nossas mentes descansam nessa verdade e não vão além disso para qualquer ação exterior.

(ii) A alma pode agir de modo prático, o que resulta em ações físicas exteriorizadas. Por exemplo, compaixão pode nos levar a dar um copo de água a um discípulo de Cristo (Mat. 10:42), ou o amor de uma pessoa por Cristo pode fazê-la tolerar todas as perseguições por amor a Cristo. Eis a obediência da alma, esforçando-se em ações físicas.

Quando as Escrituras fazem da prática cristã a evidência de nossa fé para os outros, refere-se ao que podem ver de nossa prática

- nossas ações físicas exteriores. Contudo, quando as Escrituras fazem da prática cristã a evidência de nossa fé para nós mesmos, refere-se ao que nós podemos ver de nossa prática - e nós podemos ver os motivos interiores por trás de nossas ações exteriorizadas. Assim, o cristão precisa julgar sua própria prática, não somente pelo que faz exteriormente com o seu corpo, e sim pelos motivos interiores de sua alma, que controlam suas ações físicas. É assim que Deus nos julga: Eu, o Senhor, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto de suas ações" (Jer. 17:10). "E todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mente e coração, e vos darei a cada um, segundo as vossas obras" (Apoc. 2:23). Se Deus nos julga somente por nossas ações exteriores, por que Ele sonda nossas mentes e corações? Deus se interessa não somente por nossas ações e obras, porém pelo espírito que está por trás delas.

Tendo dito tudo isso, não quero que alguém pense que motivos são tudo o que importa, e que o que fazemos exteriormente com nossos corpos é irrelevante. Jamais! Não podemos separar alma e corpo desse modo. A alma governa o corpo. Motivos santos produzem um modo de vida obediente. Assim, uma pessoa que vive de modo exterior pecaminoso não pode usar a desculpa que seu coração está no lugar correto. O coração dum homem não pode ser puro, ao mesmo tempo que seus pés o carregam para um prostíbulo! Isso é absurdo. A prática cristã inclui as duas coisas - os motivos interiores e as ações exteriores. Precisamos passar no teste nas duas áreas. Boas ações exteriores sem motivos santos interiores não são prática cristã - nem motivos supostamente espirituais que não produzem obediência física e prática.

A prática cristã é a melhor evidência da verdadeira fé para a consciência do próprio crente. Não deveríamos confiar muito em experiências religiosas, convicções, confortos, alegrias ou aquelas meditações interiores que não resultam em obediência prática. Deixem--me dar seis argumentos para mostrar que devemos adquirir segurança principalmente a partir da prática cristã:

(i) Meu primeiro argumento resulta do bom senso. A prova da preferência de alguém por algo é o fato dele fazer essa coisa. Quando alguém é livre para falar ou silenciar, a prova de que prefere falar é que abre sua boca e fala. Quando alguém é livre para andar ou ficar parado, a prova que prefere andar é que levanta-se e anda. Da mesma forma, a prova que um homem prefere obedecer a Deus a desobedecê-lO, é que obedece. Assim, é absurdo que alguém pretenda ter um bom coração enquanto vive uma vida de desobediência. Está tentando enganar a Deus? O Juiz de toda a terra não será ridicularizado com fingimentos. "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! porventura, não temos nós profetizado em teu nome, em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mat. 7:21-23). Não importa quantas experiências religiosas tenhamos, mesmo que façamos milagres, não podemos esconder uma vida desobediente de nosso Juiz. Não podemos impressioná-lO ou enganá-lO com nossas desculpas. Ora, nem um amo humano toleraria um servo que professasse grande amor e lealdade a seu amo, e no entanto se recusasse a obedecê-lo!

(ii) Meu segundo argumento resulta da providência de Deus. Deus manda problemas e testes para as nossas vidas, para ver se na prática vamos preferir a Ele ou a outras coisas. Encontramo-nos numa situação em que Deus está de um lado e outra coisa do outro - e não podemos ter os dois. Precisamos escolher. Nossas escolhas práticas nessas situações mostram se amamos a Deus acima de tudo, ou não. "Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos" (Deut. 8:2).

Estes testes são para nosso benefício, não o de Deus. Eleja sabe o que está em nossos corações. Ele nos defronta com situações de teste de modo que nós possamos saber o que está em nossos corações. Deus está nos educando, não a Si mesmo! Reconhecendo que esse é o modo pelo qual Deus nos ensina sobre nossos corações, damos prova que nossa prática é a verdadeira evidência de nossa sinceridade.

(iii) A prática cristã conduz o novo nascimento para a perfeição. Tiago diz que a obediência prática de Abraão aperfeiçoou sua fé. "Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou" (Tg. 2:22). João diz que nossa obediência aperfeiçoa nosso amor por Deus: "Aquele que diz: eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade.

Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus" (I Jo. 2:4-5).

Assim, a prática cristã aperfeiçoa fé e amor. São como uma semente. A semente não chega à perfeição por ser plantada na terra. Nem por desenvolver raízes e brotos, ou por sair do chão, nem por desenvolver folhas e botões. Entretanto, quando produz frutos bons e maduros, chegou à perfeição - completou sua natureza. O mesmo ocorre com fé e amor e todos os outros dons. Chegam à perfeição em frutos bons e maduros da prática cristã. A prática, então, deve ser a melhor evidência de que esses dons existem.

(iv) As Escrituras dão mais ênfase à pratica do que a qualquer outra evidência de salvação. Espero que isso esteja claro agora. Temos que nos manter nessa ênfase. É perigoso dar importância a coisas que a Bíblia não endossa. Teremos perdido nosso equilíbrio bíblico se dermos maior importância aos sentimentos e experiências que não se expressem em obediência prática. Deus sabe o que é melhor para nós, e tem salientado certas coisas porque precisam ser salientadas. Se ignorarmos a ênfase clara, de Deus, na prática cristã, e insistirmos em outras coisas como testes de sinceridade, estamos no caminho da ilusão e hipocrisia.

(v) As Escrituras falam muito claramente sobre a prática cristã como o verdadeiro teste de sinceridade. Não é como se isso fosse alguma doutrina obscura, somente mencionada algumas vezes em passagens difíceis. Suponhamos que Deus desse uma revelação nova hoje, e declarasse: "Conhecereis meus discípulos por isso, sabereis que são da verdade por isso, sabereis que são Meus por isso" - e então desse uma marca ou sinal especial. Não veríamos nisso um teste claro e enfático de sinceridade e salvação? Bem, isto é o que tem ocorrido! Deus tem falado dos céus - na Bíblia! Ele nos disse muitas e muitas vezes que a prática cristã é a prova mais alta e melhor da fé verdadeira. Vejam como Cristo repete isso no texto do capítulo 14 do Evangelho de João: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos" (v. 15). "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama" (v. 21). "Se alguém me ama, guardará a minha palavra" (v. 23). "Quem não me ama, não guarda as minhas palavras" (v. 24). E no capítulo 15: "Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos" (v. 8). "Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando" (v. 14). E encontramos a mesma coisa em I João: "Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos" (2:3). "Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele" (2:5). "Não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade. E nisto conheceremos que somos da verdade" (3:18-9). Acaso não está claro?

(vi) Deus nos julgará por nossa prática no Dia do Juízo. Ele não pedirá que demos nosso testemunho pessoal. Não examinará nossas experiências religiosas. A evidência pela qual o Juiz nos aceitará ou rejeitará será a nossa prática. Essa evidência, é claro, não será para o benefício de Deus. Ele conhece nossos corações. Mesmo assim, Ele exporá a evidência de nossa prática por causa da natureza aberta e pública do julgamento final. "Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou mal que tiver feito por meio do corpo" (II Cor. 5:10). Se a nossa prática é a evidência decisiva que Deus usará no Dia do Juízo, é o teste que deveríamos aplicar a nós mesmos aqui e agora.

Conforme esses argumentos, penso que está claro que a prática cristã (como a defini) é a melhor evidência, para nós mesmos e para os outros, que somos verdadeiros cristãos.

E claro, quando alguém acabou de ser convertido, ele ainda não teve oportunidade de praticar uma vida santa. Pode ter certeza da salvação baseada puramente em suas emoções e experiências interiores. Isso não altera o fato que a evidência melhore mais sólida da salvação de uma pessoa é quando suas emoções e experiências se expressam numa vida de obediência prática. Um homem pode estar disposto a seguir numa viagem perigosa para um país distante. Pode ter certeza de estar preparado para toda dificuldade e sacrifício que deve suportar. Ainda assim, a melhor prova, para ele mesmo e para os outros, de que realmente está disposto e preparado para essa viagem é que vá.

As pessoas levantarão duas objeções principais ao que eu disse. A primeira objeção é que a experiência espiritual, e não a prática, é a verdadeira prova de que somos cristãos. Isso é um equívoco quanto ao que eu disse. Falar de experiência espiritual e prática cristã como se fossem duas coisas separadas é completamente errado. A prática cristã é prática espiritual. Não é um corpo agindo impensadamente. É a ação de alma e corpo juntos, a alma se movimentando e governando o corpo. Assim, a prática cristã não exclui experiência espiritual. Não praticaríamos verdadeira obediência sem os atos espirituais da alma. A emoção do amor por Deus não é uma experiência não espiritual apenas por mostrar-se numa ação exterior de auto-negação!

Existe uma prática religiosa exterior sem experiência interior. Isso não tem nenhum valor. Entretanto, também existe experiência religiosa sem prática, sem comportamento cristão. Isso é pior que nada! A verdadeira experiência espiritual ocorre quando amamos a Deus e nosso amor nos faz escolhê-lO, obedecê-lO e ser-Lhe fiel em todas as situações difíceis e de provação. A amizade entre seres humanos consiste principalmente numa afeição interior; mas quando sua afeição uns pelos outros de fato passa por prova de água e fogo -essa é a maior prova de amizade.

A segunda objeção é que minha ênfase na prática é legalista -concentra-se excessivamente em obras, e assim afastará as pessoas da grande doutrina bíblica da justificação somente pela fé.

Isso é tolice. Não disse que a nossa prática é o preço do favor de Deus. Eu disse que é o sinal do favor de Deus. Se eu desse algum dinheiro a um pedinte, e o pedinte visse o dinheiro como um sinal de meu amor por ele, porventura isso destruiria a gratuidade de meu amor? É claro que não. Nem destrói a gratuidade do amor de Deus por nós, se virmos a obediência que cria em nós como um sinal de Seu amor.

A doutrina da livre graça de Deus aos pecadores significa que não há boa qualidade em nós que possa ganhar ou merecer Sua graça. Deus ama Seu eleito livre e soberanamente, em razão das riquezas in­finitas de Sua própria natureza divina, não por qualquer beleza no elei­to. De modo semelhante, a justificação sem obras significa que nenhuma qualidade ou ação amorável em nós pode jamais expiar os nossos pecados. Deus nos aceita como justos pela obediência de Cris­to, não a nossa. E quando as Escrituras fazem o contraste da fé com as obras, significa que os pecadores não são unidos a Cristo pela beleza ou bondade de suas obras, ou seus sentimentos, ou qualquer outra coisa neles. De fato, não é sequer a beleza ou bondade de nossa fé que nos une a Cristo! A fé nos liga ao Salvador totalmente separada de qualquer bondade ou beleza que tenhamos. Por quê? Simplesmente porque fé significa receber, aceitar e descansar em Jesus com nossas ai mas.

Sejamos bem claros sobre isso. A gratuidade da graça de Deus seria destruída se a beleza e excelência de qualquer coisa que fosse em nós, nos unisse a Cristo. Amor por Deus, alegria espiritual, auto-renúncia, experiência, sentimentos, obras - não importa quão boa qual­quer dessas coisas seja, sua bondade não nos une a Cristo. Não ensinei isso em parte alguma! Ensinei que essas coisas são sinais de nossa união com Cristo, Mostram que estamos unidos a Ele somente pela fé.

Ter uma atitude casual a respeito de boas obras porque não nos justificam, de fato não é diferente de ser casual sobre toda a obediência, toda a santidade, toda a inclinação espiritual - pois também não nos justificam! Todavia, que cristão dirá que um zelo pela obediência, santidade e inclinação espiritual é inconsistente com a justificação pela fé? A prática santa é o sinal da fé, assim como atividade e movimento são sinais de vida.

 

16. Conclusão

Quanto desgosto a Igreja poderia ter evitado, se os cristãos tivessem perseverado naquilo que as Escrituras nos ensinam sobre uma verdadeira experiência de salvação! As Escrituras nos dizem para julgarmos a nós mesmos e aos outros nesse assunto, principalmente pelo fruto da obediência cristã prática. Se ao menos tivéssemos nos detido nisso, a hipocrisia e auto-engano seriam expostos de modo mais poderoso que qualquer outro meio. Isso nos salvaria da confusão sem fim causada pelas teorias feitas pelo homem sobre o que deveríamos estar experimentando. Evitaria que os cristãos negligenciassem a santidade da vida. Encorajá-los-ia a mostrar seu cristianismo pela beleza de sua conduta, e não pelo constante declarar de suas experiências. Amigos cristãos conversariam sobre suas experiências de modo mais modesto e humilde, procurando edificar e não impressionar uns aos outros. Muitas oportunidades de orgulho espiritual seriam extirpados, para a frustração do diabo. Pessoas mundanas parariam de rir ou caçoar do cristianismo devido às loucuras dos cristãos; ao contrário, os incrédulos seriam convencidos que há verdade no cristianismo e prestariam atenção a suas pretensões, quando vissem as vidas dos crentes.

E assim, a luz dos cristãos brilharia perante os homens e outros veriam suas boas obras e glorificariam a seu Pai nos céus!

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