"O Mundo é Minha Paróquia" (John Wesley)


AQUILO QUE NÃO PROVA QUE NOSSAS EMOÇÕES VÊM DE UMA VERDADEIRA EXPERIÊNCIA DE SALVAÇÃO

06/07/2012 15:19

1. Experiências fortes e vivas não provam que nossas emoções sejam espirituais ou não

Algumas pessoas condenam todas as emoções fortes. Têm preconceito contra qualquer um com sentimentos poderosos relacionados a Deus e coisas espirituais. Instantaneamente pressupõem que tais pessoas estão iludidas. Mas se a verdadeira religião reside em nossas emoções, como provei, segue-se que grandes porções da verdadeira religião na vida de alguém produzirá grandes emoções.

Amor é uma emoção: acaso algum cristão diria que não devemos amar a Deus e a Jesus Cristo em grande medida? Ou ainda, alguém diria que não deveríamos sentir enorme ódio e tristeza em relação ao pecado? Ou que não deveríamos ter grande gratidão a Deus por Sua misericórdia? Ou ainda, que não deveríamos desejar muito a Deus e à santidade? Porventura algum cristão poderia dizer: “Estou totalmente satisfeito com a medida do amor e gratidão que sinto para com Deus, e com o ódio e tristeza que sinto quanto ao pecado? Não haveria necessidade de orar para ter uma experiência mais profunda dessas coisas?"

Em I Ped. 1:8 fala-se de emoções fortes e intensas quando diz: "exaltais com alegria indizível e cheia de glória". De fato, as Escrituras requerem, muitas vezes, sentimentos fortes. No primeiro e grande mandamento, as Escrituras exaurem os recursos da linguagem para expressar o grau em que deveríamos amar a Deus: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força" (Mar. 12:30). As Escrituras também nos ordenam que sintamos grande alegria: "Os justos, porém, se regozijam, exultam na presença de Deus e folgam de alegria" (Sal. 68:3). Freqüentemente nos chamam a sentir grande gratidão pelas misericórdias de Deus.

Os crentes mais notáveis, cujas experiências são registradas nas Escrituras, muitas vezes expressam emoções intensas. Tomemos como exemplo o salmista. Ele menciona seu amor como sendo indizível: "Quanto amo a tua lei!" (Sal. 119:97). Ele descreve altos graus de anseio espiritual: "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma" (Sal. 42:1). Fala de grande dor pelos seus próprios pecados e pelos pecados dos outros: "Pois já se elevam acima de minha cabeça as minhas iniqüidades; como fardos pesados excedem as minhas forças" (Sal. 38:4). "Torrentes de água nascem dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei" (Sal. 119:136). Ele expressa fervorosa alegria e louvor espiritual: "Porque a tua graça é melhor do que a vida; os meus lábios te louvam. Assim cumpre-me bendizer-te enquanto eu viver; em teu nome levanto as mãos... à sombra das tuas asas eu canto jubiloso" (Sal. 63:3-4,7).

Isto prova que a existência de emoções religiosas em altíssimo grau não é necessariamente um sinal de fanatismo. Estamos seriamente errados se condenamos as pessoas como fanáticas somente porque suas emoções são fortes e vivas.

Por outro lado, o fato de nossas emoções serem fortes e vivas não prova que sejam verdadeiramente espirituais em sua natureza. As Escrituras nos mostram que as pessoas podem se tornar excitadas sobre religião, sem serem verdadeiramente salvas. No Velho Testamento, por exemplo, a misericórdia de Deus para com os israelitas no êxodo moveu grandemente suas emoções, e cantaram Seus louvores, Ex. 15:1-21. Todavia, esqueceram Suas obras rapidamente. A dádiva da lei do Sinai os comoveu mais uma vez; pareciam cheios de entusiasmo santo, e bradaram: "Tudo o que o Senhor falou, faremos" (Ex.l9:8). Não obstante, logo depois estavam adorando o bezerro de ouro!

No Novo Testamento, as multidões em Jerusalém professaram grande admiração por Cristo, e louvaram-nO grandemente. "Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!" (Mar. 21:9). Contudo, quão poucos daqueles eram verdadeiros discípulos de Cristo. Logo as mesmas multidões gritariam, "Crucifica-O!... Crucifica-O!" (Mar. 15:13-14). Todos os teólogos ortodoxos concordam que sentimentos sobre o cristianismo podem ser muito vigorosos sem nenhuma experiência autêntica da salvação.

 

2. O fato de nossas emoções produzirem grandes conseqüências no corpo não prova que sejam espirituais ou não

Todas as nossas emoções afetam nosso corpo. Isso resulta da íntima união entre corpo e alma, carne e espírito. Não surpreende, então, que fortes emoções tenham grande efeito no corpo. Entretanto, emoções fortes podem ser de origem natural ou espiritual. A presença de conseqüências corporais não prova que as experiências sejam simplesmente naturais ou verdadeiramente espirituais.

Emoções espirituais, quando poderosas e profundas, certamente podem produzir grandes efeitos físicos. O salmista diz: "Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo" (Sal. 84:2). Aqui encontramos uma clara diferença entre coração e corpo; sua experiência espiritual afetou a ambos. Diz ele, mais uma vez, "a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja" (Sal. 63:1). De novo, há uma clara diferença entre alma e corpo.

O profeta Habacuque fala de sua sensação da majestade de Deus dominando seu corpo: "Ouvi-o, e o meu íntimo se comoveu, à sua voz tremeram os meus lábios, entrou a podridão nos meus ossos, e os joelhos me vacilaram" (Hab. 3:16). Encontramos a mesma coisa no salmista: "arrepia-se-me a carne com temor de ti" (Sal. 119:120).

As Escrituras nos falam de revelações da glória de Deus que tiveram poderosos efeitos corporais naqueles que as viram. Por exemplo, Daniel: "não restou força em mim; o meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma" (Dan. 10:8). Eis como o apóstolo João reagiu a uma visão de Cristo: "Quando o vi, caí a seus pés como morto" (Apoc. 1:17). Não adianta protestar dizendo que estas foram revelações aparentes e não espirituais, da glória de Deus. A glória exteriorizada foi um sinal da glória espiritual de Deus. Daniel e João teriam entendido isto. A glória aparente não os dominou somente por seu esplendor físico, mas precisamente por ter sido um sinal da infinita glória espiritual de Deus. Seria presunçoso dizer que em nossos dias Deus jamais dá ao crente visões espirituais de Sua beleza e majestade que produzem efeitos físicos semelhantes.

Por outro lado, efeitos físicos não provam que as emoções que os produziram sejam espirituais. Fortes emoções que não são verdadeiramente espirituais em sua origem podem produzir grandes efeitos físicos. Portanto, não podemos indicar o simples efeito físico como prova de que nossa experiência venha de Deus. Precisamos de outra maneira para testar a natureza das nossas emoções.

 

3. O fato de nossas emoções produzirem grande calor e disposição para falar sobre o cristianismo não prova que sejam espirituais ou não

Muitas pessoas têm fortes preconceitos contra aqueles que falam calorosa e prontamente de coisas espirituais. Condenam-nos como sendo hipócritas vaidosos. Por outro lado, muitos supõem por ignorância que os conversadores desembaraçados devem ser verdadeiros filhos de Deus. Dizem: "Deus abriu-lhe a boca! Costumava ser moroso ao falar, porém agora está pleno e desinibido na expressividade. Abriu seu coração, fala de suas experiências e dá glórias a Deus". Se essa abundância de fala religiosa parece calorosa e séria, convence a muitos de modo especial que deve ser um sinal de conversão.

Contudo, não é necessariamente um sinal de conversão. Aqueles que pensam assim estão confiando em suas próprias idéias e não submetendo-se às Escrituras Sagradas como seu guia. Não há, nas Escrituras, lugar que afirme que a linguagem espiritual seja um verdadeiro sinal de conversão. Pode ser simplesmente a religião da boca, que é simbolizada nas Escrituras pelas folhas de uma árvore. Nenhuma árvore deveria estar sem folhas, no entanto estas não provam que a árvore seja boa.

A prontidão em falar sobre coisas espirituais pode vir por bom motivo, ou por motivo mau. Talvez seja porque a pessoa está com o coração pleno de emoções santas - "porque a boca fala do que está cheio o coração" (Mat. 12:34). Por outro lado, pode ser resultado de seu coração estar cheio de emoções que não sejam santas. É da natureza de todas as emoções fortes que as pessoas tenham prontidão em falar sobre aquilo que as afetou. Tal conversa será, de fato, tão séria quanto calorosa. Assim, as pessoas que falam livre e calorosamente sobre coisas espirituais estão, obviamente, excitadas sobre o cristianismo; mas já mostrei que o entusiasmo religioso pode existir sem haver uma experiência de salvação verdadeira.

Algumas pessoas transbordam de conversa sobre suas experiências; falam sobre elas em todos os lugares e com todos. Isso é mau sinal. Uma árvore muito cheia de folhas normalmente não dá muito fruto. Emoções falsas, se fortes, são mais rápidas para se declarar do que as verdadeiras emoções. É da natureza da religião falsa amar sua própria ostentação, como faziam os fariseus.

 

4. Emoções que não são produzidas por nosso próprio esforço podem ser ou não espirituais

Muitos condenam todas as emoções que não resultam da produção natural da mente. Ridicularizam a idéia de podermos de fato sentir o Espírito Santo operando poderosamente em nós. O Espírito, dizem, sempre opera em silêncio, de modo invisível. Insistem que Ele só opera mediante as verdades da Bíblia e através dos nossos próprios esforços, isto é, a oração. Portanto, concluem, não temos como distinguir entre a obra do Espírito e as operações naturais de nossas próprias mentes.

É verdade que não temos direito de esperar que o Espírito de Deus opere em nós se negligenciarmos coisas como o estudo bíblico e a oração. É também verdade que o Espírito opera de formas diferentes - às vezes silenciosa e invisivelmente.

Mesmo assim, se a experiência de salvação nos vem de Deus, por que não deveríamos senti-la? Não produzimos salvação por nossos próprios esforços. A operação natural de nossas mentes não produz salvação. É o Espírito do Todo-poderoso que produz salvação em nossos corações. Por que, então, não deveríamos sentir que o Espírito opera em nós? Se sentimos isso, sentimos somente o que é verdadeiro.

Estamos, portanto, errados ao tacharmos as pessoas de iludidas somente por dizerem que sentiram o Espírito Santo operando nelas. Chamar a isso de ilusão é como dizer: "Você sente que sua experiência é de Deus. Bem, isto prova que sua experiência não vem de Deus!"

As Escrituras descrevem a salvação de um pecador como um renascimento (João 3:3), uma ressurreição da morte (Ef. 2:5), uma nova criação (II Cor. 5:17). Essas descrições têm uma coisa em comum. Todos descrevem eventos que não poderiam ser produzidos pela pessoa que os experimentou. Somente Deus é autor da regeneração do pecador, ressurreição espiritual e nova criação. Porventura um pecador que tem a experiência de Deus operando em sua vida desse modo, não perceberá que é Ele que o está salvando? Sem dúvida é por isso que as Escrituras descrevem a salvação como regeneração, ressurreição e nova criação. Essas palavras testemunham o fato de que a experiência de salvação não se origina em nós mesmos.

Na salvação, Deus opera com um poder que é, obviamente mais que humano. Dessa forma Ele nos impede de nos vangloriar do que nós fizemos. Por exemplo, quando Deus salvou a Seu povo, nos dias do Velho Testamento, sua experiência tornou claro que não haviam salvo a si próprios. Quando Deus os tirou do Egito, por ocasião do êxodo, primeiro permitiu que sentissem seu próprio desamparo; então os redimiu por Seu poder miraculoso. Ficou claro para eles que Deus era seu Salvador.

Vemos a mesma experiência do poder de Deus na maioria das conversões descritas no Novo Testamento. O Espírito Santo não convertia as pessoas de modo silencioso, oculto e gradual. Geralmente convertia-as com uma demonstração gloriosa de poder sobrenatural. Hoje as pessoas muitas vezes vêem tais experiências de conversão como um sinal certo de ilusão.

Por outro lado, não devemos pensar que nossas emoções sejam verdadeiramente espirituais somente porque não as produzimos com os nossos próprios esforços. Algumas pessoas tentam provar que suas emoções são do Espírito Santo com o seguinte argumento: "Não produzi esta experiência por mim mesmo. A experiência veio a mim quando não a estava buscando. Não posso fazê-la voltar de novo por meus próprios esforços."

Esse argumento não é saudável. Uma experiência que não venha de nós mesmos pode vir de um espírito falso. Existem muitos espíritos falsos que se disfarçam como anjos de luz (II Cor. 11:14). Imitam o Espírito de Deus com grande maestria e poder. Satanás pode operar em nós, e podemos diferenciar a obra dele do funcionamento natural de nossas mentes. Por exemplo, satanás enche as mentes de algumas pessoas com blasfêmias terríveis e sugestões vis. Essas pessoas têm certeza que essas blasfêmias e sugestões satânicas não vêm de suas próprias mentes. Penso que é igualmente fácil para o poder de satanás encher-nos de confortos e alegrias falsos. Certamente sentiríamos que esses confortos e alegrias não vieram de nós mesmos. Entretanto, isso não provaria que vieram de Deus! Os transes e arrebatamentos de alguns fanáticos religiosos não são de Deus, e sim de satanás.

Também podemos ter experiências que vêm do Espírito de Deus, as quais não nos salvam nem provam que somos salvos. Lemos em Heb. 6:4-5 sobre pessoas "que uma vez foram iluminadas e provaram o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro", mas que enfim se revelaram ser incrédulas, (vers. 6-8).

Experiências religiosas também podem ocorrer sem a influência de um espírito bom ou mau. Pessoas impressionáveis e com imaginação viva podem ter emoções estranhas e impressões que não foram produzidas por seus próprios esforços. Não produzimos sonhos por nossos esforços quando estamos dormindo. Pessoas imaginativas podem ter sentimentos e impressões religiosas que são como sonhos, embora estejam acordadas.

 

5. O fato de nossas emoções virem acompanhadas por um versículo bíblico não prova que sejam ou não espirituais

Verdadeiras emoções espirituais podem vir a nós acompanhadas por um versículo bíblico. Tais emoções são espirituais se surgirem de uma compreensão espiritual da verdade ensinada pelo versículo.

Por outro lado, não há prova que uma emoção seja espiritual somente por ter surgida de um versículo bíblico que venha súbita e poderosamente à mente. Algumas pessoas pensam que esse tipo de experiência é um sinal de que são salvas, especialmente se os versículos bíblicos produzirem emoções de esperança e alegria. Dizem: "O versículo veio subitamente à minha mente. Foi como se Deus estivesse falando diretamente a mim. Não estava pensando sobre o versículo quando surgiu. Nem sequer sabia, inicialmente, que tal versículo estava na Bíblia!" Talvez acrescentem: "Um após o outro os versículos vieram à minha mente. Eram todos tão positivos e encorajadores. Chorei de alegria. Não podia mais duvidar que Deus me amava."

Dessa forma, as pessoas persuadem a si mesmas de que suas emoções e experiências vêm de Deus, e que estão verdadeiramente salvas. Entretanto, sua segurança não tem fundamento. A Bíblia não nos manda testar a veracidade de nossa fé assim; a Bíblia não nos diz que somos salvos se versículos bíblicos vierem subitamente às nossas mentes. Não diz que somos salvos se versículos positivos e encorajadores entrarem em nossas mentes e nos fizerem chorar. E, no entanto, somente a Bíblia é nossa regra infalível de fé e prática religiosa.

Muitas pessoas pensam que uma experiência deve ter vindo de Deus uma vez que envolve a Sua Palavra, a Bíblia. Não necessariamente. Tudo o que podemos dizer é que uma experiência deve ser autêntica se a Bíblia nos disser que devemos ter aquela experiência. Uma experiência não é correta somente por envolver a Bíblia.

Como saber se satanás não está pondo esses versículos bíblicos em nossas mentes? Satanás usou a Bíblia para tentar enganar o próprio Senhor Jesus (Mat. 4:6). Se Deus permitiu que satanás tentasse a Jesus através de versículos bíblicos, por que satanás não poderia colocar versículos em nossas mentes para nos enganar? Por que ele não usaria até versículos positivos e encorajadores para nos iludir? O diabo gosta de produzir esperanças e alegrias falsas nos que não são salvos. Quer persuadi-los que são cristãos antes que verdadeiramente se arrependam. Por que não deveria abusar de versículos bíblicos encorajadores para produzir falsa segurança? Ora, falsos mestres pervertem as Escrituras desse modo e enganam as pessoas; professores falsos são servos de satanás. Satanás pode fazer o que os servos também podem.

 

6. Se nossas emoções parecem conter amor, isto não prova que sejam ou não espirituais

O amor é a essência da verdadeira religião. Assim, se as pessoas que reivindicam ser cristãs parecem ser amorosas, muitas vezes esse fato é tomado como prova de ser genuíno o cristianismo delas. O argumento é que o amor deve vir de Deus, pois satanás não pode amar. — Infelizmente, até o amor pode ser imitado. De fato, quanto melhor for alguma coisa, mais imitações terá. Ninguém produz pedra e pedregulho de imitação. No entanto, existem imitações em excesso de diamantes e rubis. É a mesma coisa com as virtudes cristãs. A engenhosidade de satanás e a falsidade dos corações dos homens tentam imitar o amor e a humildade cristãos mais do que qualquer outra coisa, pois essas qualidades revelam a beleza do caráter cristão de forma especial.

As Escrituras ensinam que as pessoas podem parecer ter amor cristão sem serem salvas. Jesus fala daqueles que se proclamam ser cristãos, mas cujo amor não durará até o fim. "E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo" (Mat. 24:12-13). Isto mostra que se tivermos um amor que não dure até o fim, amor que se torna frio, não seremos salvos.

Podemos, então, sentir um amor por Deus e por Cristo, sem uma experiência verdadeira e duradoura da salvação. Esse era o caso de muitos judeus nos dias de Jesus, que davam glórias a Jesus seguindo-O dia e noite sem comida, bebida ou sono. Diziam a Jesus: "Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores" (Mat. 8:19), e "Hosana ao Filho de Davi!" (Mat. 21:9). Entretanto, seu amor mostrou-se falso, pois tornou-se frio e não durou.

O apóstolo Paulo pensava que em seus dias haviam pessoas com um falso amor por Cristo. Em Ef. 6:24, Paulo diz: "A graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus Cristo." Paulo pediu bênção sobre aqueles que amavam a Cristo com amor sincero; obviamente achava que havia outros cujo amor por Cristo não era sincero.

O amor cristão por outros cristãos também pode ser imitado. Vemos isto na relação entre Paulo e os cristãos da Galácia. Estavam prontos a arrancar os seus olhos, dando-os a Paulo (Gal. 4:15). Que amor singular! Mesmo assim, Paulo expressa seu medo de ter se esforçado em vão sobre eles (Gal.4:ll). Obviamente, Paulo sentiu que, afinal, o amor deles por ele poderia não ter sido verdadeiramente cristão.

 

7. A existência de experiência de muitos tipos de emoções não prova que sejam ou não espirituais

Certamente existem imitações de todos os tipos de emoções espirituais. Acabamos de ver como as pessoas podem imitar o amor cristão, mas existem também imitações de outras emoções espirituais.

Eis alguns exemplos: o rei Saul tinha uma tristeza falsa pelo pecado (I Sam. 15:24-5; 26:21). Os samaritanos tinham um falso temor a Deus (II Reis 17:32-3). Naamã, o sírio teve uma falsa gratidão depois da cura miraculosa de sua lepra (II Reis 5:15). Na parábola de Jesus sobre o semeador, o terreno pedregoso representa pessoas com falsa alegria espiritual (Mat. 13:20). O apóstolo Paulo, antes de sua conversão, tinha um falso zelo por Deus (Gal. 1:14; Fil. 3:6). Depois de sua conversão, Paulo disse que muitos judeus incrédulos tinham esse zelo falso (Rom. 10:2). Muitos fariseus tinham uma esperança falsa da vida eterna (Luc. 18:9-14; Jo. 5:39-40).

Assim, pessoas não salvas podem ter todos os tipos de emoções falsas que se parecem com as verdadeiras emoções espirituais. Afinal, não há razão para que não tenham muitas dessas emoções ao mesmo tempo.

Por exemplo, as multidões que acompanhavam Jesus a Jerusalém parecem ter tido muitas emoções religiosas simultaneamente. Estavam cheias de admiração e amor por Jesus; mostraram grande reverência por Ele, e colocaram suas roupas no chão para que Ele andasse sobre elas. Expressaram grande gratidão pelas boas obras que Ele houvera feito. Manifestaram fortes desejos pelo reino vindouro de Deus, e tinham grande esperança que Jesus estivesse por estabelecê-lo. Estavam cheias de alegria e zelo em seus louvores a Jesus e em sua ansiedade em acompanhá-lO. Todavia, quão poucas dessas pessoas eram verdadeiros discípulos de Jesus!

A existência de muitas emoções falsas simultaneamente, na mesma pessoa, não é mistério. Quando uma emoção forte surge, naturalmente produz outras emoções. Este é especialmente o caso se a primeira emoção que aparece é amor. Como já disse, o amor é a principal das emoções, e (de certo modo) ele é a fonte de muitas outras.

Imagine alguém que por longo período sentiu medo do inferno. Satanás veio e levou-o a pensar que Deus perdoou seus pecados. Suponhamos, então, que satanás o tenha enganado através da visão de um homem com um lindo sorriso no rosto e com os braços abertos. O pecador entendeu ser essa uma visão de Cristo. Ou talvez satanás o tenha iludido com uma voz dizendo: "Filho, seus pecados são perdoados" - uma voz que o pecador pensou ser a voz de Deus. Assim, esse pecador creu que era salvo, mesmo não tendo compreensão espiritual do evangelho.

Que variedade de emoções viriam à mente desse pecador! Ele estaria cheio de amor por seu salvador imaginário, que pensa tê-lo salvo do inferno. Estaria cheio de gratidão por sua salvação imaginária. Sentiria uma irresistível alegria. Suas emoções o moveriam a falar a outros de sua experiência. Seria fácil para ele ser humilde ante seu deus imaginário. Negaria a si mesmo e promoveria zelosamente sua religião imaginária, enquanto o calor de suas emoções durassem.

Todas essas emoções religiosas podem surgir juntas dessa for­ma. Ainda assim, a pessoa que figuramos experimentando essas emo­ções não é cristã! Suas emoções vieram da função natural de sua pró­pria mente, não da obra salvadora do Espírito de Deus. Qualquer um que duvide dessa possibilidade tem pouca compreensão da natureza humana.

 

8. Se conforto e alegria parecem seguir uma determinada ordem, isso não prova que nossas emoções sejam espirituais ou não

Muitas pessoas rejeitam a idéia de que emoções e experiências espirituais venham em determinada ordem. Não pensam que convicção do pecado, temor do julgamento de Deus e a sensação do abandono espiritual devam vir antes da experiência de conversão. Isto, dizem, é somente uma teoria humana; assim, são céticas quando a experiência religiosa de uma pessoa ocorre nessa ordem. Elas suspeitam que suas emoções resultam da natureza de sua própria mente e não do Espírito Santo. Ficam particularmente desconfiadas quando seus sentimentos - primeiro de convicção e depois de segurança - são muito fortes e vivos. Entretanto, é razoável pensar que Deus dê aos pecadores um sentimento de sua necessidade de salvação antes de salvá-los. Somos seres inteligentes e Deus nos trata de modo inteligente. Se os pecadores estão condenados fora de Cristo, não seria razoável que Deus os fizesse cientes disso? Afinal de contas, Deus dá ciência aos cristãos de sua salvação uma vez que os tenha salvo.

As Escrituras ensinam que Deus faz as pessoas conscientes da sua incapacidade antes de libertá-las. Por exemplo, antes de tirar os israelitas do Egito, Deus fê-los sentir sua miséria e clamar por Ele (Ex. 2:23). E antes de salvá-los do Mar Vermelho, fê-los ver quão desamparados eram; o Mar Vermelho estava à sua frente e o exército egípcio atrás deles! Deus mostrou-lhes que não poderiam fazer qualquer coisa para ajudar a si mesmos e que somente Ele poderia salvá-los. (Ex. 14). Quando Jesus e Seus discípulos estavam debaixo do temporal no Mar da Galiléia, as ondas cobriram o barco, e parecia que iam afundar. Os discípulos clamaram: "Senhor, salva-nos!" Somente então Jesus acalmou o vento e as ondas. (Mar. 8:24-6). Antes que Deus os salvasse do perigo, o apóstolo Paulo e Timóteo estavam atribulados "acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e, sim no Deus que ressuscita os mortos". (II Cor. 1:8-9).

As Escrituras descrevem os cristãos como aqueles que já correram "para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta" (Heb. 6:18). Fugir sugere medo e uma sensação de perigo. De fato, a própria palavra "evangelho" - boas novas - naturalmente sugere a idéia de resgate e salvação do medo e da aflição. As multidões em Jerusalém sentiram esse tormento quando Pedro pregou a elas no dia de Pentecoste - "compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: que faremos, irmãos?" (At. 2:37). O carcereiro filipense também sentiu essa angústia espiritual - "Prostrou-se diante de Paulo e Silas. Depois, trazendo-os para fora disse: senhores, que devo fazer para que seja salvo?" (At. 16:29-30).

Vemos, assim, como é razoável e bíblico pensar que grandes e humilhantes convicções do pecado, desamparo e medo do julgamento divino, deveriam vir antes da experiência de conversão.

          Por outro lado, o fato de a certeza da salvação vir após o medo do inferno não prova sua legitimidade. Medo do inferno e a consciência de uma convicção do pecado são duas coisas diferentes. Ser consciente da gravidade do pecado é uma percepção da desobediência pessoal e maldade no coração e na vida do próprio indivíduo. É um conhecimento de quão infinitamente sério é o nosso próprio pecado, pois ofende a um Deus infinitamente santo. Essa convicção pode produzir o medo do inferno, porém, não é a mesma coisa que o medo do inferno.

Na verdade, o medo do inferno pode existir sem uma verdadeira convicção do pecado na consciência. Algumas pessoas parecem ver o inferno se abrindo para tragá-las, cheio de labaredas e demônios. Ainda assim suas consciências não são persuadidas! Essas impressões vivas do inferno podem advir de satanás, que pode aterrorizar os homens com visões de maldição por querer convencê-los que jamais poderão ser salvos. Tais visões podem também advir da própria imaginação humana.

Existe também um tipo de falsa convicção do pecado, quando as pessoas parecem sobrecarregadas com o sentimento de quão grandes pecadores são, mas não têm compreensão da verdadeira natureza do pecado. Não vêem o pecado de um modo espiritual, como algo que ofende a santidade de Deus. Suas consciências não estão tocadas, ou são só ligeiramente tocadas. Talvez não tenham convicção alguma sobre os pecados específicos dos quais são culpados, ou se estiverem perturbados com pecados específicos, não estão preocupados de forma espiritual.

Mesmo que o próprio Espírito Santo produza convicção do pecado e medo do inferno, isto não assegura necessariamente a salvação. Pessoas não salvas podem resistir ao Espírito. Deus nem sempre pretende conquistar a resistência pecaminosa e trazer o pecador a um novo nascimento.

Existe também o que chamamos falsa humildade perante Deus. Por exemplo, o rei Saul sentiu-se profundamente perturbado quanto a seus pecados contra Davi. Chorou perante Davi, e confessou: "Mais justo és do que eu; pois tu me recompensaste com bem, e eu te paguei com mal" (I Sam. 24:17). Entretanto, isso foi depois que o Espírito de Deus havia se retirado de Saul.

O orgulhoso rei Saul humilhou-se perante Davi, embora de fato o odiasse! De modo semelhante, pecadores podem se humilhar perante Deus, embora verdadeiramente O odeiem. Podem deixar de confiar em sua própria justiça, de certas formas, mas continuar a confiar nela de outros modos mais sutis. A aparente submissão a Deus esconde uma tentativa secreta de barganhar com Ele.

Que tal se experimentarmos o medo do inferno e ao mesmo tempo uma convicção do pecado que nos humilha perante Deus? Que tal se isso nos induza a uma alegria no evangelho? Isso não provaria que nossas experiências sejam verdadeiramente espirituais?

Não! A ordem de nossas experiências não prova coisa nenhuma. Se satanás pode imitar as experiências que levam à conversão, pode também imitar sua ordem ou seqüência. Sabemos que ele pode produzir uma falsa convicção do pecado, um falso medo do inferno, e uma falsa humilhação perante Deus. Por que não poderia produzi-las nessa ordem? E por que então não produziria uma falsa alegria no evangelho, como vimos que ele pode fazer?

Somente as Escrituras são o nosso guia infalível para o crente e a prática religiosa. Não nos dizem que estamos salvos se tivermos experiências em determinada ordem. A Palavra de Deus promete salvação somente àqueles que recebem a graça de Deus e produzem seus frutos. Nunca promete salvação àqueles que sentem grande convicção do pecado e medo do inferno, seguidos por grande alegria e segurança. O que as Escrituras dizem deveria ser o suficiente para os cristãos; nossa confiança é na Palavra de Deus , não em nossas próprias idéias.

Antes de terminar este capítulo, creio que deveria salientar que as pessoas podem se tornar cristãs sem passar por qualquer ordem específica de experiências. É verdade que precisam sentir convicção do pecado, sentir desamparados e sentir a justiça de Deus na condenação dos pecadores. Ainda assim, não há necessidade que o Espírito de Deus produza essas experiências diferentes e separadas, uma após a outra. De fato, a conversão de um pecador é às vezes como um caos confuso, e outros cristãos não sabem como interpretá-la!

O Espírito Santo muitas vezes opera de modo muito misterioso para trazer as pessoas a Cristo. Como disse Jesus: "O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito" (Jo. 3:8).

De fato, idéias sobre como o Espírito Santo deveria operar afetam o modo de interpretarmos a nossa experiência. Relatamos as partes de nossa conversão que mais parecem com as experiências que pensamos deveriam ocorrer na conversão. Omitimos outras partes de nossa conversão que não se enquadram no que pensamos ser o padrão correto. Desse modo, tentamos forçar nossa conversão conforme o chamado "padrão correto" de experiência. O que estamos fazendo de fato é recusar a admitir que o Espírito Santo às vezes opera de modo diverso daquele em que nós desejamos que Ele opere!

 

9. Se nossas emoções nos levam a despender muito tempo nos deveres externos do culto cristão, aí não há prova que sejam ou não espirituais

Algumas pessoas pensam que uma experiência religiosa não é salutar quando nos leva a despender muito tempo na leitura, na oração, nos cantos e ouvindo sermões. Em contraste, as Escrituras ensinam claramente que uma verdadeira experiência de salvação terá esse efeito.

Por exemplo, a profetiza Ana "não saiu do templo, mas serviu a Deus com jejum e orações dia e noite" (Luc. 2:37). Daniel observou um período de oração particular três vezes todo dia (Dan. 6:10). A experiência da salvação também leva os crentes a se deleitarem em cantar louvores a Deus: "Louvai ao Senhor, porque é bom e agradável cantar louvores ao nosso Deus; fica-lhe bem o cântico de louvor" (Sal. 147:1). A salvação leva os crentes a gostar muito de ouvir alguém pregar a Palavra de Deus: "Quão suaves são sobre os montes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: o teu Deus reina!'" (Is. 52:7). E a salvação faz com que os crentes almejem adorar com outros crentes:' 'Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; ... Bem--aventurados, Senhor, os que habitam a tua casa: louvam-te perpetua­mente" (Sal. 84:1-2, 4).

Por outro lado, não é sinal seguro de conversão o fato de sermos entusiásticos nos deveres exteriores da religião verdadeira. Tal comportamento existe em muitos que não são salvos. Os judeus, no tempo de Isaías, eram entusiásticos na adoração. Tinham muitos sacrifícios, assembléias, festivais e orações. Todavia, os seus corações não estavam de bem com Deus, e Deus lhes diz que abomina a sua adoração! (Vejam Is. 1:12-15). No tempo de Ezequiel, muitos se deleitavam em ouvi-lo pregar a Palavra de Deus. Entretanto, Deus os condena: "Eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam diante de ti como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra; pois, com a boca professam muito amor, mas o coração só ambiciona lucro. Eis que tu és para eles como quem canta canções de amor, que tem voz suave e tange bem; porque ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra" (Ez. 33:31-32).

 

10. O fato de nossas emoções nos levarem a louvar a Deus com nossas bocas não prova que sejam ou não espirituais

Muitos parecem pensar que se as pessoas forem entusiásticas no louvor a Deus, é um sinal certo de conversão. Examinei abreviadamente esse aspecto no capítulo anterior. Quero fazê-lo mais detalhadamente aqui, devido à grande ênfase colocada por alguns no louvor como sinal de vida espiritual.

Nenhum cristão condenará outra pessoa pelo entusiasmo no louvor a Deus. Não obstante, devemos reconhecer que tal entusiasmo não é sinal certo de conversão. Como já vimos, satanás pode imitar todos os tipos de emoções espirituais. E as Escrituras nos dão muitos exemplos de pessoas não salvas dando louvor a Deus e a Cristo entusiasticamente.

Quando Jesus realizou milagres em várias ocasiões, as Escrituras dizem das multidões: "a ponto de se admirarem todos e darem glória a Deus" (Mar. 2:12), "Então glorificavam ao Deus de Israel" (Mat. 15:31), "Todos ficaram possuídos de temor, e glorificavam a Deus" (Luc .7:16). Também eram entusiásticos louvando o próprio Jesus: "E ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos" (Luc. 4:15). "Hosana ao Filho de Davi; bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!" (Mat. 21:9). Infelizmente, sabemos quão poucos daqueles tiveram uma fé verdadeira em Deus e em Cristo.

Depois de Jesus ter subido aos céus, lemos em Atos que aqueles que viviam em Jerusalém "todos glorificavam a Deus pelo que acontecera" (At.4:21). Isso foi porque Pedro e João haviam curado um mendigo coxo. Mas quão poucos daqueles que viviam em Israel partilhavam a fé de Pedro e João! Quando Paulo e Barnabé pregaram aos gentios em Antioquia, esses gentios "regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor" (At. 13:48). Entretanto, somente alguns foram salvos; pois, "creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna."

Israel cantou louvores a Deus no Mar Vermelho, contudo em breve estava adorando o bezerro de ouro. Os judeus no tempo de Ezequiel mostraram muito amor por Deus com suas bocas, mas seus corações estavam presos ao dinheiro e às posses (Ez. 33:31-32). Isaías diz que aqueles que odiavam os verdadeiros servos de Deus clamavam: "Mostre o Senhor a sua glória" (Is. 66:5). Desses exemplos e muitos outros nas Escrituras, segue-se que o entusiasmo no louvor a Deus e a Cristo não é sinal confiável de conversão.

 

11. O fato de nossas emoções produzirem segurança de salvação não prova que sejam ou não espirituais

Algumas pessoas pensam que estaríamos iludidos se tivéssemos segurança de nossa salvação. Por outro lado, os protestantes sempre acreditaram que a segurança é um sentimento apropriado num cristão. As Escrituras contêm muitos exemplos do povo de Deus se sentindo seguro quanto à sua relação com Deus. Por exemplo, Davi muitas vezes fala nos Salmos sobre Deus como seu próprio Deus e Salvador, sua rocha, escudo e torre, e assim por diante. O apóstolo Paulo em suas cartas constantemente fala de sua relação com Cristo, e exulta em sua salvação. "Porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que Ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia" (II Tim. 1:12).

Fica claro nas Escrituras que todos os cristãos - não somente os apóstolos e profetas - podem e devem ter essa segurança. Pedro nos exorta a estarmos certos do chamado e escolha de Deus (II Ped. 1:10), e nos diz como obter essa certeza (II Ped. 1:5-8). Paulo fala da falta de segurança como algo altamente em desacordo com um cristão: "Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados" (II Cor. 13:5). João nos dá muitos testes pelos quais podemos ter certeza de sermos salvos: "Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos" (I Jo. 2:3). "Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos" (I Jo. 3:14). "Nisto conhecemos que permanecemos nele, e ele em nós, em que nos deu o seu Espírito" (I Jo. 4:13).

Não é razoável, portanto, criticar um cristão somente porque sente uma profunda segurança de sua própria salvação.

Por outro lado, somente o sentimento de certeza da salvação não é prova que uma pessoa seja salva. Alguém pode ter a maior e mais viva segurança de salvação e ainda assim não ser salvo. Pode-se parecer estar muito próximo a Deus, usar linguagem muito confiante e afável em suas orações, chamando a Deus de "meu Pai", meu querido Redentor", "meu doce Salvador", "meu Amado", etc. Pode--se dizer: "Sei com completa certeza que Deus é meu Pai. Sei que irei para o céu, com tanta certeza como se já estivesse lá agora." Pode-se estar tão seguro de si mesmo, que não se vê mais qualquer razão para testar a verdade de sua fé. Pode-se desprezar qualquer um que sugira que ele poderia não estar salvo de fato. Entretanto, nada disso prova que seja um verdadeiro cristão.

De fato, esse tipo de segurança jactanciosa que sempre está se demonstrando, não se parece em nada com a verdadeira segurança cristã. Parece mais com o fariseu em Luc. 18:9-14, que tinha tanta certeza de estar de bem com Deus que ele agradeceu audaciosamente a Deus por tê-lo feito tão diferente dos outros homens! A verdadeira segurança cristã é humilde e não arrogante.

Os corações das pessoas não salvas são entenebrecidos, enganosos e egocêntricos em si mesmos. Não surpreende que tenham opiniões tão elevadas sobre si mesmos. E se satanás opera em seus desejos pecaminosos com confortos e alegrias falsas, não é de surpreender que pessoas não convertidas tenham uma forte segurança, porém falsa, da salvação.

Quando uma pessoa não salva tem essa segurança falsa, ela está livre das coisas que causam dúvidas ao verdadeiro cristão sobre sua própria salvação:

(i) O falso cristão não tem sentimento sobre a seriedade de seu destino eterno e quanto à infinita importância de construir no fundamento certo. Em contraste, o verdadeiro crente é humilde e cuidadoso; sente quão grandioso será estar perante Deus, o infinitamente santo Juiz. A falsa segurança ignora isso.

(ii) Um falso cristão não está consciente de quão cego e enganoso é o seu coração. Sua falsa segurança produz nele uma grande confiança em suas próprias opiniões. O verdadeiro crente, entretanto, tem uma modesta opinião sobre sua própria sabedoria.

(iii) Satanás não ataca a falsa segurança. Ele ataca a segurança do verdadeiro cristão, pois a verdadeira segurança produz maior santidade. Por outro lado, satanás é o melhor amigo da falsa segurança, pois isso coloca o falso cristão totalmente em seu poder.

(iv) A falsa convicção cega a pessoa quanto à verdadeira extensão da sua pecaminosidade. O falso cristão parece limpo e claro a seus próprios olhos. O verdadeiro cristão, ao contrário, conhece o seu próprio coração; sente que é um grande pecador. Fica pensando muitas vezes se uma pessoa verdadeiramente salva poderia ser tão grande pecador quanto ele é.

Existem dois tipos de falso cristão. Há aqueles que se julgam ser cristãos meramente por sua prática exterior de moralidade e religião. Essas pessoas muitas vezes não compreendem a doutrina da justificação unicamente pela fé. Existem também aqueles cuja segurança procede de experiências religiosas falsas.

Os falsos cristãos do último tipo são os piores. Sua segurança advém muitas vezes de supostas revelações. Chamam a essas revelações de "o testemunho do Espírito". Têm experiências de visões e impressões; podem pretender que o Espírito de Deus lhes tenha revelado fatos futuros. Não é de admirar que pessoas que aceitam tais experiências também tenham visões e impressões sobre a sua própria salvação. E não é de admirar também se uma suposta revelação concernente à salvação delas produzir o mais alto grau de segurança.

De fato, grande confiança é uma marca que distingue as pessoas que procuram orientação em revelações imaginárias. Dizem audacio­samente, "Sei isto ou aquilo", "Sei com certeza". Desprezam todo argumento e pesquisa racional que possa fazê-las duvidar de sua experiência.

É fácil entender a confiança dessas pessoas. Agrada a seu amor próprio pensar que Deus lhes disse de modo especial que são Seus filhos queridos. Sua falsa segurança aumenta quando essas "revelações" vêm junto com emoções vigorosas, as quais elas interpretam falsamente como o Espírito Santo operando nelas.

Gostaria agora de dar uma palavra de alerta aos pregadores: vocês às vezes pregam doutrinas verdadeiras de modo errado, encorajando uma falsa segurança. Dizem às pessoas que "vivam pela fé, não pelo que vêem", que "confiem em Deus no escuro," e que "confiem em Cristo, não em seus próprios sentimentos." Essas são doutrinas verdadeiras, se compreendidas corretamente.

Viver pela fé, não pelo que vemos, significa permitir que as realidades celestiais invisíveis controlem nossos pensamentos e atitudes. Não podemos ver a Deus ou Cristo com os nossos olhos físicos. Não podemos ver os novos céus e a nova terra, pois ainda não foram estabelecidos. Entretanto, nós cremos nessas realidades não visíveis. Acreditar nelas e permitir que essa fé oriente nossos corações e vidas - isso é viver pela fé, e não pelo que se vê.

Por outro lado, muitos crêem que "viver pela fé, não pela vista" significa que deveríamos confiar em Cristo, mesmo quando os nossos corações permaneçam espiritualmente entenebrecidos e mortos. Isso é contra as Escrituras e absurdo. É impossível ter fé em Cristo e ainda assim permanecer no escuro e na morte espiritual. A verdadeira fé significa sair da escuridão e da morte espiritual para a luz e vida em Cristo. Exortar a alguém a confiar em Cristo, embora seu coração permaneça na escuridão e morto, é dizer que tenha fé em Cristo ainda que continue na incredulidade!

As Escrituras ensinam que a fé em Cristo envolve uma apreensão espiritual dEle. Jesus disse "que todo homem que vir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna" (Jo. 6:40). Fé verdadeira existe somente quando estamos "contemplando, como por espelho, a glória do Senhor", e vendo a "iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo" (II Cor. 3:18 e 4:6). Uma fé sem essa luz espiritual não é a fé dos filhos da luz, e sim o engano dos filhos das trevas.

"Confiar em Deus no escuro" significa confiar em Sua Palavra quando nossas circunstâncias são escuras e dolorosas, como se Deus não mais se importasse conosco. Significa também continuar a confiar nEle quando não temos tal visão clara e refrescante do Seu amor como em outros tempos. Isso é totalmente diferente de confiar em Deus sem qualquer luz ou experiência espiritual, com corações mortos e mundanos!

Aqueles que insistem em viver pela fé sem experiência espiritual têm idéias absurdas sobre fé. Para eles "fé" significa realmente acreditar que são salvos. Por isso pensam que é pecado duvidar de sua salvação, não importa quão mortos e mundanos sejam. Todavia, em que Bíblia encontraram fé significando acreditar que somos salvos? A Bíblia diz que a fé traz o pecador para a salvação. A fé, portanto, não pode significar acreditar que ja estamos salvos. Se fé significasse acreditar que somos salvos, significaria que temos uma fé salvadora. Isto é, fé significaria crer que cremos!

Admito que a incredulidade pode ser a causa de uma falta de segurança. Alguns cristãos têm pouca fé; e pouca fé produz pouca evidência de salvação. A resposta para esse problema é crescer na fé e produzir mais frutos da fé. Outros cristãos têm falta de segurança em suas vidas, a despeito da muitas provas de sua conversão. Suas dúvidas resultam de um sentimento unilateral de sua indignidade e um fraco sentido da realidade e poder da misericórdia de Deus. Outros cristãos sentem falta de segurança por suas circunstâncias negras e dolorosas. Como pode Deus amá-los, se Ele permite que sofram tanto? Essa dúvida vem de uma falta de dependência na soberania e na sabedoria de Deus.

Não obstante, se alguém sente que seu coração está completamente mundano e morto, não podemos culpá-lo por duvidar quanto à sua salvação. É impossível que exista verdadeira segurança cristã em tal coração. Seria tão impossível como tentar manter o brilho solar depois do pôr do sol. Memórias das experiências religiosas que tivemos no passado não podem manter a certeza viva, se nossos corações agora estão enegrecidos com pecado.

De fato, é desejável que duvidemos de nossa salvação se nossos corações se sentem totalmente entenebrecidos e mundanos. Isso está de acordo com o plano de Deus. Quando o amor por Deus diminui, a ansiedade por nós mesmos aumenta. Em tempos de negrura espiritual, precisamos dessa ansiedade para evitarmos o pecado, e para nos estimular a um novo esforço espiritual.

Contrariamos o plano de Deus, portanto, se dissermos às pessoas que mantenham sua segurança quando seus corações estão mundanos e mortos. Estamos cometendo um erro sério se pensarmos que é este o significado de "viver pela fé, não por vista", de "confiar em Deus no escuro", ou de "confiar em Cristo, não em nossos sentimentos". Encorajar segurança naqueles cujos corações são mundanos e mortos é encorajar falsa segurança.

Por outro lado, se usarmos as nossas emoções espirituais e expe­riência cristã como evidências de nossa salvação, isso não é "confiar em nossos sentimentos em vez de Cristo". Não há outras evidências de salvação que possamos usar! Estaremos "confiando somente em nossos sentimentos e não em Cristo", se glorificarmos e admirarmos a nós mesmos por nossas emoções. Quando nossas experiências e emoções se tornam mais importantes para nós do que para Deus, e quando pensamos que o próprio Deus deveria nos admirar por nossas maravilhosas emoções - então estamos em perigo. De fato, estamos então em pior condição espiritual que um ateu imoral!

 

12. Não podemos saber se as emoções de alguém são espirituais ou não, somente por seu relato comovente

Nenhum cristão pode distinguir infalivelmente entre crentes verdadeiros e falsos. Um cristão pode sondar o seu próprio coração, mas não pode sondar os corações dos outros. Tudo o que podemos ver nos outros é a aparência exterior. As Escrituras ensinam claramente que nunca podemos julgar infalivelmente o coração de uma pessoa através de sua aparência. "O Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração" (I Sam. 16:7).

Quando uma pessoa parece exteriormente, tanto como possamos ver, ser um cristão, é nosso dever aceitá-lo como um irmão em Cristo. Entretanto, mesmo o mais sábio dos cristãos pode ser iludido. Pessoas que pareciam ser notáveis convertidos muitas vezes têm abandonado a fé.

Isso não nos deveria surpreender. Já vimos como satanás pode imitar todos os tipos de emoções espirituais - amor por Deus e por Cristo e pelos cristãos, tristeza pelo pecado, submissão a Deus, humildade, gratidão, alegria, zelo. Todas essas emoções imitadas podem aparecer ao mesmo tempo na mesma pessoa. Essa pessoa pode também ter um bom conhecimento da doutrina cristã, uma personalidade agradável e uma notável habilidade poderosa para se expressar na linguagem cristã.

Quão grande, então pode ser a semelhança entre um falso e um verdadeiro cristão! Somente Deus pode infalivelmente diferenciá-las. Seríamos arrogantes se fingíssemos poder fazê-lo. Dar um relato comovente de seus sentimentos e experiências não prova que alguém seja um verdadeiro cristão. Qualquer coisa que pareça obra de Deus está fadada a ser comovente para um crente. Crentes amam ver pecadores convertidos. Não surpreende, portanto, que nossos corações sejam tocados quando alguém professa ser convertido e dá um relato plausível de sua experiência. Ainda assim, isso não prova que sua conversão seja genuína.

As Escrituras nos dizem para julgarmos pela vida da pessoa, não por sua fala, porque as declarações de serem cristãos, que as pessoas fazem, são como os botões na primavera. São muitos os botões nas ár­vores e todos parecem maravilhosos, porém logo muitos perecerão, cairão e apodrecerão. Por um tempo, parecem tão lindos como os ou­tros botões e seu perfume é doce. Não podemos distinguir os botões que darão fruto daqueles que cairão e morrerão. Somente depois pode­mos notar a diferença, quando alguns tiverem caído e outros dado fruto.

O mesmo se dá com as coisas espirituais. Devemos julgar pelo fruto, não pelas lindas cores e aroma do botão. Pessoas que se dizem convertidas podem (por assim dizer) parecer lindas, transmitir aromas agradáveis e fazer emocionantes relatos de sua experiência. Entretanto, tudo pode resultar em nada. Conversa não prova coisa alguma. Devemos julgar pelo fruto - pelos resultados duradouros nas vidas das pessoas. (Mesmo aqui, não podemos julgar infalivelmente, mas o modo como vivem os cristãos professos é a melhor prova que podemos ter de sua sinceridade e salvação).

Alguns argumentam o seguinte: "Se sinto um forte amor cristão por outro cristão, o Espírito Santo deve ter produzido esse amor. No entanto o Espírito não pode errar. Se o Espírito produz esse amor, eu devo saber que a outra pessoa é um verdadeiro cristão."

Esse argumento é completamente falso. Deus nos ordenou a amar como nossos irmãos cristãos todos que fazem uma confiável profissão de fé em Cristo. Assim, um forte amor cristão por outro cristão professo prova somente que o Espírito de Deus está nos permitindo obedecer ao mandamento de Deus. Não prova que o cristão professo a quem amamos seja um verdadeiro cristão.

De qualquer forma, a Bíblia não conhece nada dessa idéia que podemos julgar a condição espiritual de outra pessoa pelo amor que sentimos por ela. Essa idéia não só está ausente da Bíblia, ela contradiz a própria Bíblia. A Palavra de Deus ensina claramente que ninguém pode estar totalmente seguro sobre a condição do coração de outro em relação a Deus. Paulo diz, "judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus" (Rom. 2:29). Por essa última expressão, "cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus", Paulo ensina que os homens não podem julgar se outro homem é um judeu "interiormente". Os homens podem ver pelos sinais exteriores que um outro é exteriormente um judeu, porém somente Deus pode ver o interior de um homem.

Paulo ensina a mesma verdade em I Cor. 4:5: "nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá o seu louvor da parte de Deus."

Certamente estaremos sendo muito arrogantes se pensarmos que podemos julgar os corações dos homens, visto que o apóstolo Paulo não pensava que ele podia!

 

Fonte: A GENUÍNA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL ou Experiência espiritual, verdadeira ou falsa? Autor: Jonathan Edwards

 

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